Parecia óbvio que o nosso tempo havia sepultado, se não toda, mas em grande parte, a ideia de que a mulher deva ser submissa ao patriarcado. O ano de 2018 pode ser caracterizado como aquele em que os preconceitos saíram do armário. Dentre eles, vetustos modos de ver e compreender a mulher em sociedade. Arrisco-me a expor algumas ideias a respeito, na esperança de, no mínimo, chamar a atenção para a necessidade de garantir avanços conquistados e que, no meu modo de entender, não podem sofrer retrocesso.
Atualmente, a dificuldade inicial de abordagem sobre a mulher como sujeito e protagonista que decorre, em grande parte, da ambivalência de uma desordem da linguagem, uma falha da função nomeadora que a linguagem deve desempenhar. Mulher não é um conceito fechado, que garanta uma compreensão universal a partir do substantivo mulher. Quando falamos em mulher, a qual mulher nos referimos? A consciente de sua subjetividade e da sua dignidade? A submissa e oprimida? A entendida como gênero ou a mulher apenas sob o aspecto biológico? Enfim, são incontáveis as variantes possíveis. Aliás, as lutas do feminismo e entre os feminismos demonstram o quanto o tema é complexo, na medida em que a partir de um mesmo problema surgem diversas correntes, passando pelo feminismo de mulheres negras, brancas, heterossexuais, homoafetivas etc., demonstrando como são plurais os pontos de vista.
Contribui para a ambivalência a desordem da linguagem, a falha da função nomeadora que a linguagem deve desempenhar e a falha de comunicação entre o que é dito, o que é ouvido e o que é entendido. Não é de surpreender este estranhamento dentro do campo do feminismo e que se reflete, também, na perplexidade masculina, diante da metamorfose da mulher atual, que deixa de ser lagarta enclausurada no seu casulo para querer voar como borboleta. Homens e mulheres precisam entender este processo que se reflete em ambos os gêneros. Um rápido olhar histórico nos mostra que a desigualdade de gênero e o domínio/exploração da mulher pelo homem que detém o poder sociopolítico-sexual data de milênios. A história judaico-cristã, que caracteriza a cultura ocidental, no mínimo há 6 mil anos, na Tábua das Leis, entregues, segundo o Velho Testamento, por Deus a Moisés no Monte Sinai, reza o 9º mandamento que "Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seus servos ou servas, nem seu boi ou jumento, nem coisa alguma que lhe pertença".
O domínio masculino sobre o feminino, desde muito tempo, é colocado numa zona intermediária entre o objeto e o sujeito. A longevidade da vigência desta prática dominadora a fez culturalmente aceita. A tomada de consciência de que é necessário mudar é um processo que exige paciência e persistência. Natural que exista resistência. A questão reside em encontrar mecanismos que acelerem a mudança e não a remetam ao passado. Este processo de mudança naturalmente causa estranhamento. Estamos, em todos os campos, saindo de um mundo ordeiro, no sentido de que cada um sabia o papel que deveria desempenhar e para onde ir e ingressamos numa zona de ambivalência, expressão cunhada por Zigmund Baumman, que confunde o cálculo de eventos e a relevância dos padrões de ação memorizados, dando uma sensação de indecisão, de irresolução e de perda de controle.
Estamos todos destituídos de padrões de comportamento consensual. Talvez isso explique a onda autoritária que seduz tanta gente. É a necessidade de que alguém fixe o que pode e o que não pode. Ademais, no Brasil, país mestiço, pobre e inculto, crescem as dificuldades de um feminismo minimamente homogêneo. Há flagrantes diferenças de nível de consciência da dignidade feminina, não só por parte do mundo masculino, mas dentro do universo feminino, maximizando a ambivalência e dificultando o diálogo, porque os signos empregados não são compreendidos pelos atores envolvidos. O feminismo não deve ser visto como um movimento exclusivo das mulheres, mas um movimento civilizatório.